quarta-feira, 12 de abril de 2017

Queimados é o único município da Baixada a oferecer tratamento de doenças raras

Geneticista Dr. João Gabriel Daher faz atendimentos gratuitos na rede municipal de Saúde
Jéssica Moreira - No chão do consultório, Gabryel Oliveira (7), se diverte assistindo vídeos pelo celular da mãe enquanto o Dr. João Gabriel Daher faz várias perguntas acerca do comportamento do menino. Essa é a terceira consulta da família com o geneticista, que voltou a atender gratuitamente a população de Queimados esta semana, no CETHID (Centro Integrado de Tratamento de Hipertensão e Diabetes).

A averiguação é baseada na suspeita da Síndrome do X Frágil - defeito no cromossomo X, o qual contém a causa mais frequente do comprometimento intelectual com caráter hereditário, afetando o desenvolvimento intelectual e o comportamento -, por isso, exames são pedidos e, uma nova consulta, agendada.

Para a mãe de Gabryel, Polyana Oliveira (29), a suspeita foi crescendo ao longo dos primeiros anos de vida do menino: “Ele falava normalmente, como qualquer criança e, de repente, parou. Parou também de olhar nos olhos das pessoas. Então fomos passando de psicóloga a psiquiatra até finalmente chegarmos a um médico especializado em doenças raras. A sensação agora é de alívio por ter acesso a esse tipo de tratamento”, contou a gari, que mora no bairro Granja Alzira.

Na rede privada, o custo de uma consulta com um geneticista varia entre R$800 e R$1200 e tem uma fila grande espera. De acordo com o Dr. João Gabriel, o campo sofre por conta da escassez de especialistas: são apenas 241 médicos geneticistas em atividade no país.

“São 8 mil tipos de doenças raras que, na grande maioria, não apresentam tratamento medicamentoso, mas que precisam de um suporte contínuo do médico. São de difícil diagnóstico, muitas vezes incapacitantes, progressivas e fatais, que afetam tanto crianças como adultos”, afirmou o médico que é natural do município de Santo Antônio de Pádua, no Noroeste do Estado, mas que, ainda no começo da carreira, decidiu dedicar seus esforços para atender a região da Baixada Fluminense.

“Quando trabalhava no Hospital da Universidade Federal do Rio de Janeiro, percebi que 99% dos pacientes vinham da Baixada. Sempre busquei interação junto às famílias e, assim, pude perceber as dificuldades de locomoção, o emprego de tempo e dinheiro para comparecer às consultas. Foi quando pensei em trazer esse atendimento especializado para mais perto de quem precisa dele”, contou.  

De acordo com o especialista, o tratamento das doenças raras envolve, além do suporte clínico interdisciplinar (neurologia, neuropediatria, pediatria e genética), o acompanhamento multidisciplinar (fonoaudiologia, psicologia, fisioterapia e psicopedagogia, por exemplo).

Ciente desta demanda, a Secretaria Municipal de Saúde vem desenvolvendo, desde o início de 2016, o serviço de genética em Queimados – onde estima-se haver cerca de 12 mil portadores de doenças desta ordem.

De acordo com a Secretária Municipal da Pasta, Drª Lívia Guedes, uma das principais metas do ambulatório é realizar um trabalho de mapeamento clínico da família dos pacientes para diagnosticar e tratar possíveis casos similares transmitidos geneticamente.

“Temos casos mais comuns, como a Síndrome de Down, e outros raros, que acometem um indivíduo em cada 200, 500 mil nascimentos. É um número grande de pacientes e famílias que precisam desse serviço com urgência e agora podem ter acesso a um tratamento de ponta no próprio município onde residem”, declarou a gestora.

A marcação de consultas com o especialista - único da área em atividade na Baixada Fluminensepode ser feita por meio do setor de regulação do município, que fica no prédio anexo ao CETHID (Rua Onze, s/n - Pacaembu, Queimados ), onde funciona o Centro Médico da Pedreira.

Diagnóstico precoce, tratamento importado

Logo aos 6 dias de vida, o pequeno Maxuel do Nascimento teve que enfrentar a morte da mãe, que seria apenas um dos vários obstáculos que a vida ainda iria lhe apresentar. Hoje com 5 anos de idade, a luta é outra, dessa vez contra a mucopolissacaridose (MPSII, também conhecida como Sindrome de Hunter), doença rara causada por uma informação genética incorreta que leva à falha de produção de uma substância (enzima) importante para certas reações químicas no organismo.

Traços faciais desproporcionais, infecções respiratórias recorrentes e coriza crônica (secreção nasal constante) foram alguns dos sintomas observados ao longo dos primeiros anos de vida pela tia do menino, Maria Cristina do Nascimento, e que causaram suspeita numa pediatra da rede municipal de saúde de Queimados.

“Ele também começou a ter dificuldade para mexer os membros, o que nos preocupou muito. Então, a doutora que o acompanhava falou sobre o serviço de genética que estava sendo oferecido no CETHID. Procurei atendimento e o diagnóstico foi ficando mais claro”, contou a costureira.

Por meio da consulta com o geneticista João Gabriel Daher, Maxuel pôde ter o sangue coletado e enviado a um laboratório da Alemanha no ano passado, procedimento que confirmou a síndrome e possibilitou o início do tratamento correto.

“Graças ao nosso contato com o Instituto Casa Hunter (uma ONG em São Paulo onde o material foi colhido) pudemos enviar a amostra para o único local capaz de precisar o tipo de desordem genética causadora dessa doença. Agora, estamos aguardando a chegada do medicamento comprado pelo Ministério da Saúde para iniciar a terapia de reposição enzimática, que dará a ele uma qualidade de vida muito melhor”, afirmou.
Imagens: Thiago Loureiro/ SEMCOM - PMQ

De acordo com a Secretária de Saúde, Dra. Lívia Guedes, a medicação foi importada da Ásia e custou cerca de R$1 milhão ao Governo Federal: “Vislumbramos, a médio e longo prazo, oferecer um serviço de referência na Baixada Fluminense. E esse tipo de comunicação entre o nosso geneticista e os profissionais corretos vão possibilitar esse tratamento tão caro e necessário ao Maxuel”, afirmou.

Para o Dr. João Gabriel, cada novo diagnóstico, tratamento e evolução servem para melhorar significativamente a vida de seus pacientes. “Amo o que faço, as famílias percebem isso e entregam seus bens mais preciosos aos meus cuidados e da minha equipe. Prezamos muito pela parte do acolhimento a essas pessoas. As famílias necessitam de muita informação, em maioria, técnica, então é preciso paciência e interação para um melhor entendimento”, declarou.


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