quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Um lugar para chamar de casa: Conheça a rotina dos abrigos de Queimados

À espera de adoção, meninos e meninas superam problemas familiares em busca de uma vida feliz

Foto Thiago Loureiro
Kathellen Islyne - Em uma sala, Lucas*(13) e Júlio*(15) disputam energicamente uma partida de futebol no videogame. Os amigos ao redor do duelo vibram quando a bola para no fundo do gol e Julio comemora como se tivesse vencido um campeonato mundial. Emoções bastante comuns no cotidiano dos personagens desta narrativa. “Eles amam jogar”, conta a coordenadora do abrigo municipal de adolescentes em Queimados, Caroline Bissoli.

O lar é um dos espaços mantidos pela Secretaria Municipal de Assistência Social e trabalha em conjunto com diversos departamentos - tais como o Conselho Tutelar e órgãos de saúde - e tem a importante função de cuidar de crianças e adolescentes que vivem à espera de decisões judiciais capazes de mudar suas famílias, endereços e, principalmente, seus futuros.
 
Queimados mantém dois abrigos: um para crianças com idade até 12 anos e meninas de 0 a 17 anos e outro para meninos de 12 a 17 anos. Juntos, os imóveis acolhem atualmente 25 crianças que compartilham a realidade da falta de familiares. As circunstâncias que os impedem de morar na própria casa são diversas, mas semelhantes.

“A gente tenta tornar esse lugar numa casa para essas crianças, mas esse não é o lar deles. A maioria está aqui porque perdeu um ou ambos os pais e a família mais próxima não quer cuidar deles. Em outros casos, alguns sofrem abusos e acabam aqui. Temos muitas histórias, mas a mesma busca por um desfecho feliz”, explica a psicóloga responsável pelo abrigo, Dulcinea Marques.

Dulcinea Marques - Psicóloga
Para garantir que os meninos se sintam o mais próximo possível de um lar, Caroline conta que a rotina do espaço é organizada. “Aqui eles têm horário para tomar café, almoçar, jantar e irem para a escola. Tentamos mostrar a eles que também têm responsabilidades, pois essa é a casa deles, então estabelecemos funções como arrumar as camas e ajudar a limpar o banheiro que usam”, afirma a gestora.

Cumpridas as obrigações, não falta tempo livre para que os adolescentes se divertirem vendo filmes, jogando videogame, brincando ou aproveitando a sala de estudos.

A hora da despedida

Com muita pressa para não se atrasar para o trabalho, Nicolas* (17) conta que seu maior objetivo é se estabilizar financeiramente quando sair do abrigo. “A Caroline (coordenadora) me inscreveu no Jovem Aprendiz e eu estou juntando dinheiro para viver lá fora. Esse ano vou sair daqui porque faço 18 anos”, conta o rapaz, que há mais de uma década vive em abrigos.

Além de Nicolas, outros seis adolescentes partilham da ansiedade causada pela espera de um desfecho para a própria história. Quadro que se agrava quando, esgotadas as negociações entre familiares e pessoas interessadas em adoção cessam e o aspirante à maioridade permanece sem um lar definitivo.

Caroline Bissoli
Para o secretário da pasta, Elton Teixeira, a escolha para a adoção foge da realidade dos abrigos. “As pessoas procuram por crianças menores de dois anos, brancas, que não tenham irmão ou doenças. A maioria ainda prefere bebês e essa não é a realidade dos abrigos, então essas crianças ficam aqui por muito tempo e acabam tendo que se tornar responsáveis pelo próprio sustento quando chega a hora de irem embora”, explicou o gestor.

Questionada sobre o que acontece com esses adolescentes após se tornarem maiores de idade, a coordenadora Caroline Bissoli explica que a justiça concede prazos para que eles sejam mantidos nas casas de abrigo até que consigam sua autonomia. “Não podemos colocar um adolescente que acaba de completar 18 anos para tomar conta de si, do nada, sem nenhuma perspectiva. É por isso que nossa maior preocupação é conseguir que eles saiam daqui com um emprego. Quando eles vão embora é um misto de tristeza e felicidade, porque apesar de tudo que passaram na vida, eles terão seu próprio lar”, afirma emocionada.



*Os nomes foram mudados para preservar a identidade dos adolescentes

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